Julia Mariano estudou na Catavento do Berçário à alfabetização. Dos primeiros passos às primeiras letras, ela passou por todas as turmas e cresceu aproveitando a infância e interiorizando valores importantes. Hoje, Julia é produtora independente e diretora de documentários. O filme “A Batalha do Passinho”, produzido por sua empresa, Osmose Filmes, ganhou o Prêmio do Festival do Rio e foi exibido em um curso de cinema de Harvard.
Ela lembra com carinho da sua época na escola, ressaltando o quanto isso fez diferença para a vida toda. Veja abaixo a entrevista da ex-aluna.
1. Quanto tempo você estudou na Catavento e por quais outras escolas passou depois?
Eu estudei na Catavento desde o maternal até a alfabetização. Toda a minha primeira infância passei lá e até hoje lembro de situações e de momentos que vivi na creche, que ajudaram a construir o meu entendimento sobre o mundo. A construção da minha relação com o mundo e com os outros foi construída na minha época de Catavento. Estudar com crianças especiais também fez toda a diferença nessa minha formação. Entender que um coleguinha é diferente de você, mas isso não significa que a diferença seja ruim, pejorativa ou que eu “sou melhor porque sou normal” (e esse normal cheio de aspas) foi e é muito importante para mim até hoje. Acho que a Catavento teve um papel essencial na minha formação porque me mostrou que o mundo é feito de diferenças, mas que essas diferenças são boas e construtivas. E isso, olhando agora pra trás e pensando na minha trajetória de vida, é a base fundamental do meu modo de viver. Escolhi o documentário como lugar de profissão justamente porque me interesso pelas diferenças das pessoas, pelos modos distintos de olhar e entender o mundo, pela forma peculiar que uma pessoa sente e vive sua realidade. E com certeza meus anos na Catavento funcionaram como a base pra essa relação com o mundo.
“Eu estudei na Catavento desde o maternal até a alfabetização. Toda a minha primeira infância passei lá e até hoje lembro de situações e de momentos que vivi na creche, que ajudaram a construir o meu entendimento sobre o mundo.”
2. Como essas escolas contribuíram para a sua formação como pessoa?
Eu estudei na Catavento, depois no Miraflores, no Abel e o pré-vestibular fiz no Argumento. Lembro que foi uma mudança grande da Catavento para o Miraflores. Enquanto a Catavento era quase uma extensão da minha casa, um território que eu considerava meu também, o Miraflores era uma escola maior, cheia de alunos, onde as relações humanas se perdiam em sua “grandiosidade”. Depois, acabei indo para o Abel na quinta-série (sexto ano) por conta da qualidade do ensino, pensando em ter uma base forte para o vestibular. Pra mim acabou sendo difícil porque inibiu um pouco a minha formação artística, que retomei com mais força depois de um ano no intercâmbio na Austrália, quando tive a clareza do caminho profissional que eu gostaria de seguir. A Catavento me deu a base pedagógica que eu precisei para seguir pro Miraflores e, posteriormente, para o Abel.
3. Você fez faculdade de comunicação, se especializou em Cinema em Cuba (EICTV) e, atualmente, trabalha no setor audiovisual. Você acha que os ambientes escolares pelos quais passou incentivaram suas escolhas?
Eu fiz comunicação social, mas acho que talvez a melhor formação aqui no Brasil tivesse sido em outra área, Ciências Sociais, ou Filosofia… a minha passagem pela ECO-UFRJ (Escola de Comunicação Social) foi muitíssimo importante, mas não em termos profissionais, e sim mais profundos de entendimento de mundo via teorias e autores que fui ter contato e me aprofundar nas aulas. Mas o ofício do jornalismos em si, nunca me interessou. Por isso,
Fui buscar na Escola de Cuba, EICTV, um aprendizado onde a prática fosse tão importante quanto a teoria. Assim como a Catavento, a EICTV tem sua base numa relação próxima. As relações humanas são a base para o funcionamento da escola. E isso, mais uma vez, fez total diferença na minha formação.
Acho que é essa educação extra sala de aula que faz com que a experiência na Catavento seja tão importante na formação dos seus alunos. É claro que a parte pedagógica também é importante, principalmente no sentido de buscar sempre ampliar a visão de mundo, mas é fora da sala de aula, no respeito com que Claudia como diretora trata seus funcionários, na maneira como as crianças entendem a função e a importância de cada um ali, desde a faxineira e a merendeira, até a professora e a diretora, que a formação se diferencia e faz com que a experiência de haver estudado na Catavento mude de fato a visão de mundo de seus alunos.
4. Atualmente seu trabalho tem um cunho social forte, passando pelo filme A Batalha do Passinho, que está sendo visto no mundo todo. Olhando um pouco para trás, em que sentido a Catavento potencializou em você a vontade de contribuir para uma sociedade melhor?
Hoje trabalho como produtora independente e também sou diretora de documentários. Nesse mundo multifuncional faço de tudo um pouco: roteiro para a TV, filmo, edito, produzo muitas coisas, mas sempre buscando manter a minha independência. Não é fácil, nada fácil, mas sigo tentando. No ano de 2012 lançamos pela Osmose Filmes, minha produtora, nosso primeiro longa-metragem “A Batalha do Passinho”. O filme ganhou o prêmio no Festival do Rio naquele ano e até hoje tem uma carreira de sucesso, apesar da nossa luta para conseguir conquistar territórios com ele, seja no cinema, na TV ou nas universidades. É uma constante luta.
“No ano de 2012 lançamos pela Osmose Filmes, minha produtora, nosso primeiro longa-metragem “A Batalha do Passinho”. O filme ganhou o prêmio no Festival do Rio naquele ano e até hoje tem uma carreira de sucesso.”
É muito bom re-econtrar amigos da creche hoje em dia e sentir que temos algo em comum, que a vivência naquela primeira infância é superimportante na nossa constituição e visão de mundo. É engraçado, porque muitas pessoas se assustam quando encontro alguém e digo “esse estudou comigo na creche!!!”. A surpresa das pessoas é sempre: “oi? creche? mas isso faz tanto tempo!!!” Pois é, faz muito tempo, mas quando é profundo e sincero, a gente não sente esse tempo todo que passou! E tenho certeza que muitos ex-alunos sentem exatamente o que eu sinto.