Dias 30 e 31/05, recebemos as famílias para o 2º Espaço Aberto dos alunos do Ensino Fundamental em 2016.
Nessa oportunidade, refletimos sobre a questão da autonomia a partir da discussão de textos e vídeos. A equipe aproveitou o momento para esclarecer as dúvidas das famílias com relação ao trabalho pedagógico desenvolvido em cada turma.
Finalizamos o encontro com a entrega das autoavaliações, atividades avaliadas e boletins do 1o período.
Compartilhamos abaixo os vídeos e textos apresentados nas reuniões:
“Uma criança mimada será um adulto infeliz” – https://www.youtube.com/watch?v=yD-EfzjfPaM
“Pais e filhos fazem prova” – https://www.youtube.com/watch?v=sPmpRO60m30
“EDUCAR PRESSUPÕE SEMPRE DESAGRADAR A CRIANÇA”, diz psicóloga Rosely Sayão
Especialista acredita que o excesso de zelo adia a conquista da maturidade
Por: Larissa Roso
Especialista em questões relacionadas à família e à escola, a psicóloga paulistana Rosely Sayão acredita que as crianças estão sendo educadas sob o peso da superproteção, o que as desconecta da realidade. O excesso de zelo também dificulta o desenvolvimento da resiliência, a capacidade de resistir às adversidades e empurra para mais tarde a conquista da maturidade.
Para Rosely, falta aos pais, preocupados em demasia com um futuro de sucesso para os filhos, um olhar focado no presente.
Você aponta a superproteção dos filhos como um estilo dos pais hoje em dia, independentemente de classe social, econômica e cultural. Onde isso fica mais evidente?
Em todas as situações que envolvem essa neurose de segurança que a gente adquiriu: filho não sai sozinho, na esquina, na padaria, não usa transporte público. Há adolescentes que usam sem os pais saberem, mas não para ir para a escola. Para ir para a escola, ou tem perua, ou o pai leva e busca, e eles vão ficando um pouco distantes da realidade. Em casa, eles são muito poupados dos afazeres domésticos com que poderiam contribuir, sempre acham que tem alguém que faça. A gente não tem ensinado para os filhos que tudo tem um processo com começo, meio e fim. Por exemplo, ir a um aniversário. Tem o antes, que é pensar na pessoa, pensar no presente, sair para comprar o presente, pedir para os pais se pode ir, perguntar se os pais podem levar e buscar. Depois tem a festa, o desfrute, e depois da festa tem de ver quem vai buscar. Tudo fica com os pais e, para os filhos, é só ir à festa. Tomar banho é a mesma coisa: é só entrar debaixo do chuveiro. Não tem a organização da roupa e do banheiro, enxugar o banheiro. Nada disso, para os filhos, faz parte desse processo. Isso tudo é superproteção.
É comum os pais se colocarem contra a escola, atacando o professor ou o método de avaliação para defender os filhos.
Exato. Às vezes, os filhos reclamam de um colega e os pais vão tomar satisfação com os pais do outro colega. Briga entre crianças sempre vai acontecer, e elas são capazes de resolver. Quando não são, a escola tem de dar conta se elas estão lá. Mas os pais querem resolver tudo, metem-se na vida escolar dos filhos muito intensamente. A escola deveria ser a primeira batalha que a criança aprende a enfrentar por conta própria. Os pais estão com a ideia de que ir bem na escola, passar de ano, ser exitoso é um índice de que eles são bons pais. Eles fazem tudo para que isso aconteça. Os filhos vão aprendendo que “se tem problema, meus pais resolvem”.
A imaturidade é a principal consequência da infância e da adolescência poupadas de percalços?
A maturidade vai ficando mais tardia. Hoje, muitas empresas reclamam demais da falta de compromisso dos seus funcionários mais jovens, uma geração que já foi criada assim. Se o chefe dá uma bronca, o funcionário já quer sair do emprego. Os pais, resolvendo tudo, não colaboram para que o filho construa a resiliência, que é a capacidade de resistir às adversidades, de cair e levantar, de tropeçar, machucar o joelho, fazer o curativo e seguir em frente. O mundo das crianças pequenas é absolutamente irreal. As escolas privadas são obrigadas a limpar a areia semanalmente, os móveis não têm cantos, é tudo arredondado. As crianças não podem vir da escola machucadas que os pais reclamam. Esses pequenos incidentes fazem parte da adaptação ao mundo. É contraditório: a gente diz que os pais não dão limites, mas as crianças estão limitadas em demasia. Não pode isso, não pode aquilo, não pode aquele outro. E como é realidade da vida que dá os limites, aí, elas não reconhecem esses limites.
Uma pesquisa recente afirma que os pais andam muito distraídos com seus smartphones, não prestando atenção na conversa com os filhos, além de ser comum a troca de mensagens de texto entre pessoas que estão na mesma casa. Você acha que a tecnologia está afetando muito as relações?
Muito. Há um percentual muito grande de crianças e jovens no mundo que dizem que os pais dão mais atenção ao celular do que a eles. Esse índice explodiu no Brasil.
A gente vive dizendo que os jovens só querem saber de celular, mas somos nós que estamos deixando eles de lado em nome dessas conversas por mensagem instantânea e do trabalho que não termina nunca. Quem tem filho precisa se comprometer e honrar o seu compromisso. A gente não educa apenas para que ele tenha um bom futuro. A gente educa para que ele construa um bom futuro também.
Há pouco você escreveu que “nossa sociedade adulta, infantilizada, adora brincar de faz de conta: fazemos de conta que cuidamos muito bem de nossas crianças”. As crianças deixaram de ser prioridade na vida dos pais?
A gente fez algumas transformações no que significa ser prioridade, por conta de o mundo adulto estar infantilizado. Hoje todo mundo é jovem, independentemente da idade. O jovem tem um compromisso muito grande consigo mesmo, sobra muito pouco tempo para olhar para os outros. Os pais acham que os filhos são prioridade porque trabalham para dar do bom e do melhor e vivem declarando amor a eles, verbalmente. Mas a paciência, a perseverança, isso anda mais escasso.
Além dessa obsessão pela juventude, que outros valores sociais estão moldando as famílias?
O consumo, muitas vezes, determina a posição familiar. “Quero isso”, “vou dar isso para o meu filho fazer parte do grupo e não ficar excluído”. A criança fica desacreditada de si porque precisa ter isso ou fazer aquilo para se inserir, e não ser alguma coisa, pensar alguma coisa, ter posições. Isso atrapalha muito a autoimagem que a criança constrói. Tem também a busca desenfreada da felicidade. Ninguém é capaz de dar felicidade para alguém. A gente é capaz de preparar o filho para que ele consiga buscar a própria felicidade, identificar situações que possam lhe dar momentos de felicidade. Educar pressupõe sempre desagradar à criança. Aí, a gente acha que a criança está infeliz, não desagrada e não educa.
Como a internet está influenciando a formação das crianças?
Vou ligar essa questão à primeira, sobre a superproteção. É surpreendente que os pais superprotejam os filhos, a ponto de não deixar ir na esquina comprar um pão, e os deixem sozinhos na internet muito precocemente. Eles esquecem que a internet é uma rua, uma avenida, uma praça pública. Talvez a criança e o jovem fiquem tão focados nisso que deem menos trabalho aos pais. A gente vai a restaurante e vê um monte de criança com celular ou tablet. A internet móvel é um “cala a boca”, “fica quieto”. Aí é que a criança aprenderia a socialização, como se comportar em locais diferentes com pessoas diferentes. Aí estaria o empenho da família na formação dos filhos. Nas crianças e nos jovens, a internet sem tutela provoca aquela ideia do descompromisso: “Posso fazer e falar o que eu quiser que não tem consequência”. Mas não é a internet em si a responsável por isso. Ela não é o único elemento a dar essa ideia para os mais novos, é só mais um.
CONQUISTA QUE VAI DO BERÇO À ADOLESCÊNCIA
Rosely Sayão
Ultimamente, quase todos consideram a autonomia um objetivo importante a ser alcançado pela educação, seja ela praticada em casa ou na escola. A questão é que esse conceito tem gerado grandes confusões, já que pais e professores nem sempre concordam sobre autonomia possível à criança ou ao jovem que vive determinada etapa do desenvolvimento. Por isso discordam quanto ao que se pode exigir dos filhos e alunos ou permitir-lhes. Uma amostra desse conflito está em algumas das questões levantadas por leitores na correspondência com a coluna. Vale a pena, portanto, conversar um pouco sobre o tema.
Primeiro, é bom lembrar: a autonomia é algo que se conquista, principalmente pelo aprendizado e/ou pelas oportunidades oferecidas no relacionamento com os outros para que ela possa ser exercida, experimentada. Ninguém nasce autônomo. O ser humano, ao contrário, nasce com completa ausência de autonomia. Para sobreviver e viver, a criança depende, por um longo período, dos cuidados dos adultos.
Mas, à medida que se desenvolve, ela tem acesso progressivo à autonomia. Esse processo de aquisição de autonomia termina ao final da adolescência, com a maturidade. Se, entretanto, o potencial para a aquisição da autonomia característica de determinada idade não é respeitado, todo o processo fica comprometido, já que não são as habilidades e as competências realizadas que evidenciam a autonomia da criança, e sim a atitude diante dos problemas da vida e os recursos que tem para usar na busca de soluções.
Uma leitora reagiu à coluna em que comentei o modo de tratar filhos como café-com-leite e comentou: “Tenho um filho de 18 meses, e você quer dizer que tenho que, desde já, dar a ele oportunidade de crescer e alcançar a autonomia e a liberdade?!?!”.
Sim, sim, desde o nascimento esse processo entra em curso. Um filho de 18 meses pode ganhar autonomia para dormir sozinho, para começar a aprender a usar o banheiro e a deixar as fraldas, para reconhecer situações do ambiente que ainda são perigosas para enfrentar sozinho e para pedir ajuda, por exemplo. Se, apesar de ter potencial para realizar tudo isso, os adultos que o rodeiam não permitem que o faça, não exigem dele esforço nessa conquista e fazem tudo por ele, o desenvolvimento rumo à autonomia já começa a ficar comprometido. E -insisto- não se trata de treinar habilidades, mas de ensinar uma atitude de independência.
Claro que, aos 18 meses, o filho não pode, por exemplo, escolher se quer ou não ir ao médico, tomar ou não um medicamento de gosto desagradável, decidir com quem vai ficar enquanto a mãe trabalha. Do mesmo modo, nessa idade a criança não tem meios para controlar seus impulsos. E é aí que se expressa a confusão de pais e professores. Eles imaginam que a criança dessa idade ou um pouco mais já tenha autonomia para compreender uma regra e respeitá-la. Não tem.
Se uma criança não deve brincar com um objeto, a proibição deve ser sustentada pela ação dos adultos. Isso porque a criança não se regula: ainda não atingiu autonomia para tanto. Está na fase heterônima, ou seja, precisa que os adultos regulem seu comportamento.
Mas isso é bem diferente de impedir que a criança aprenda a fazer o que já tem condições de fazer. Outra leitora escreveu bem preocupada com um primo de oito anos que é tratado com proteção excessiva. Segundo ela, essa criança dorme na cama com a mãe, não pode “tomar sereno” nem ficar sem sapatos e não sabe sequer limpar-se sozinha após usar o banheiro. Como conseqüência, é um menino medroso. Pudera! Deve ter a imagem a respeito de si mesmo de que não é capaz de viver essas situações sozinho, de que não tem condições para tanto. Mas tem. Porém, dessa maneira, seu desenvolvimento fica prejudicado.
E volto a insistir: não se trata apenas de aprender a limpar-se sozinho, mas de adquirir liberdade e autonomia para viver o que já tem condições de viver com independência. Essa é a lição mais importante.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de “Como Educar Meu Filho?” (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br