O desafio da leitura dos clássicos pelos novos leitores
Por Clarisse Dias Pessôa – Coordenadora do Ensino Fundamental da Catavento
Quando discutimos sobre a educação de nossos alunos e filhos atualmente, nos deparamos com muitas opiniões controversas em termos dos mais diversos assuntos, mas nada é tão unanime entre escola e família do que a importância do hábito da leitura. A questão somente se torna mais controversa quando tratamos de como incentivar os jovens à leitura em uma época de tantos estímulos midiáticos, mediante novas tecnologias e de tão fácil acesso. A geração Netflix passa horas, e muitas vezes o fim de semana inteiro, em frente à TV fazendo maratonas de séries, assistindo filmes ou jogando vídeo game. O grande desafio de pais e educadores é tornar o livro tão atraente quanto esses outros meios.
“A geração Netflix passa horas, e muitas vezes o fim de semana inteiro, em frente à TV fazendo maratonas de séries, assistindo filmes ou jogando vídeo game. O grande desafio de pais e educadores é tornar o livro tão atraente quanto esses outros meios.”
Clarisse Pessoa
Coordenadora do Ensino Fundamental da Catavento
Os livros nos contam histórias que nos fazem pertencentes a uma cultura, muito anterior a nós mesmos. Em seu livro “Como e porque ler os clássicos desde cedo”, Ana Maria Machado, ressalta que os clássicos da literatura trazem uma sensação de pertencimento a essa cultura e que isso é imperativo para o desenvolvimento do jovem enquanto ser humano participante dessa história que não começou nele, mas há milhares de anos. A leitura dos clássicos transforma o leitor em um leitor mais fluente também, ressalta a autora. Ele se torna capaz de entender as intertextualidades que existem em obras mais recentes, pois muitas das obras contemporâneas fazem referência aos clássicos da literatura universal. Entender essas referências muitas vezes é a chave para o entendimento do texto integral ou de uma passagem em si.
Recentemente, um fenômeno da televisão brasileira chamou a atenção. Muitas pessoas se inspiraram e começaram a ler “O Conde de Monte Cristo “ de Alexandre Dumas, após a revelação de que a história inspirou o autor, Walcyr Carrasco, a escrever a atual novela das nove da Rede Globo. Muitas séries, filmes, novelas e jogos virtuais que fazem sucesso hoje, têm inspiração nos clássicos da literatura. Talvez, partir desses elementos seja uma opção para incentivar os jovens para a leitura dos clássicos. Depois de uma boa maratona de sua série favorita, podemos incentivá-los a ler o clássico a que a série remete ou foi inspirada.
Outra questão controversa é como incentivar essa leitura: adaptações ou o texto original. É claro que a leitura do original é muito mais rica em termos de linguagem e do contato com o estilo autoral. Entretanto, leitores em desenvolvimento podem achar a leitura complexa demais e abandoná-la. Os leitores mais jovens podem começar pela leitura de adaptações, pois existe uma boa quantidade de boas adaptações no mercado. A leitura das adaptações, sugere Ana Maria Machado, abre duas possibilidades ao jovem leitor. A primeira é o encantamento pela história e a busca pelo texto original ou a segunda que é o conhecimento básico da história que o possibilitará o entendimento de futuras intertextualidades.
Partindo do que tem significado para o jovem e do que o interessa é uma forma mais eficaz de atingi-lo. Alguns anos atrás, o lançamento do filme “O ladrão de Raios” nos cinemas, fez com que jovens se interessassem pela leitura da série de livros do autor americano Rick Riordan e buscassem um aprofundamento no conhecimento de mitologia grega. Nunca se ouviu tanto sobre mitologia grega nos corredores escolares como nesse ano. Diversos sites e empresas de jogos virtuais criaram jogos baseados nos clássicos da mitologia grega. Todos esses lançamentos fomentaram mais ainda a curiosidade dos jovens em conhecer essa mitologia. Entre os jovens era comum ouvir quais as características de um “filho de Poseidon” ou “filha de Atena” e a leitura desse ou daquele mito grego.
O novo leitor não tem resistência ao que é antigo, mas uma atitude que muitas vezes nos acomete e não demonstra ser produtiva é aquele saudosismo muito característico de pais e professores. Quando pensamos: “No meu tempo…”. Não estamos mais nesse tempo, e se pensarmos assim sentiremos saudades do tempo em que escrevíamos na pedra. São tempos diferentes, nem melhores, nem piores. Precisamos sim, pensar no que é pior ou melhor para esse novo leitor que está se formando e em novas maneiras de estimulá-lo. Muitas das práticas que utilizávamos para estimular a leitura não se adequam mais a esse jovem de hoje. Decorar, por exemplo, passagens de “Os Lusíadas”, como faziam nossos avós não atingirá o leitor contemporâneo. Certamente não expandirá os seus horizontes para essa leitura. O que quase certamente ocorrerá é que ele nunca mais queira ouvir o nome de Luis de Camões outra vez na vida e se prive de uma excelente leitura.
“São tempos diferentes, nem melhores, nem piores. Precisamos sim, pensar no que é pior ou melhor para esse novo leitor que está se formando e em novas maneiras de estimulá-lo.”
O jovem atualmente está mais aberto a diversas formas de mídia e o livro é uma delas, mas não é a única. O aumento das vendas nos livros de literatura infanto-juvenil demonstra o quanto o jovem ainda se deleita com os livros. Dados do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) mostram que o crescimento de vendas do gênero infantil em 2016, em relação a 2015, foi de 28%. Os clássicos têm o poder de encantar gerações desde tempos imemoriais, porque tocam em questões essenciais do ser humano. Questões essas que são essenciais para essa nova geração de leitores também.
“Os clássicos têm o poder de encantar gerações desde tempos imemoriais, porque tocam em questões essenciais do ser humano. Questões essas que são essenciais para essa nova geração de leitores também.”
O livro persiste. Ele não morrerá, assim como a televisão não matou nem o cinema nem o rádio e a internet não matou a televisão. Precisamos usar as outras mídias para complementar a leitura e a leitura para complementar as outras mídias. São novos tempos, que exigem novas estratégias e um novo entendimento desse leitor que se forma. Ainda assim, cada leitor é único e a literatura abrirá em cada leitor caminhos diferentes. A leitura de uma mesma história atingirá cada leitor de forma única e singular. Não existem fórmulas prontas. Como vamos atingir os novos leitores vai depender da criatividade de pais e educadores. Vivemos em uma época de muitas variáveis e muitas vezes não existe um único norte, uma única forma de se fazer algo. O importante é que os caminhos da leitura continuem a ser abertos e que novos leitores e escritores se desenvolvam nesses novos tempos que vivemos.
“Como vamos atingir os novos leitores vai depender da criatividade de pais e educadores.”