No dia 27 de fevereiro, tivemos o primeiro Grupo de Estudos dos professores em 2018.
Na pauta, discussão e elaboração do planejamento anual e reflexão acerca do reflexo nas relações produzido pela exposição no Facebook e nas mídias em geral.
Ainda tivemos o prazer de receber a visita da nossa querida professora Helenice Muniz, que se aposentou neste ano.
Seguem os materiais para que as famílias possam também refletir conosco.
Vídeo: “Are you lost in the world like me?” – https://www.youtube.com/watch?v=NJ3MMU1S1DU
Vídeo: “Zygmunt Bauman sobre os laços humanos, redes sociais, liberdade e segurança” – https://www.youtube.com/watch?v=LcHTeDNIarU&t=186s
A era do exibicionismo digital
O que leva cada vez mais pessoas a abrir mão de sua privacidade e divulgar detalhes da sua intimidade nas redes sociais, numa exposição sem limites e repleta de riscos
O funk “Ela é Top”, de MC Bola, onipresente nas pistas brasileiras desde abril do ano passado, descreve uma típica garota carioca, de formas, gestuais e vestuário superlativos, que, não contente em chamar a atenção por onde passa, registra todos os seus provocantes trajes em fotos e os posta nas redes sociais. Tamanho sucesso tem explicação óbvia, além do ritmo pegajoso e hipnotizante. O hábito da musa de MC Bola é adotado por milhões de pessoas, homens e mulheres que, desde a mais tenra idade, numa viagem um tanto inconsequente e com altas doses de carência, diversão e despreocupação, abrem mão da privacidade e compartilham sua rotina e intimidade nas redes sociais, numa exposição sem limites e repleta de riscos. Até o presidente dos Estados Unidos embarcou nessa onda egocêntrica. Na terça-feira 10, Barack Obama, o primeiro ministro britânico, David Cameron, e a premiê da Dinamarca, Helle Thorning-Schmidt, ganharam a atenção do mundo ao registrarem um polêmico autorretrato pelo celular durante o funeral do líder africano Nelson Mandela.
Ainda que a foto não tenha ido parar em nenhuma rede social, o gesto do poderoso trio é uma marca dos dias atuais, tanto que ganhou um nome: selfie. O termo em inglês é usado para descrever fotos de si mesmo e foi eleito pelo “Dicionário Oxford” como a palavra do ano. Se antes as chances de fotografar pessoas e momentos únicos estavam restritas a, no máximo, 36 poses de um filme, hoje as novas tecnologias possibilitam infinitas tentativas, com os mais diversos conteúdos. São inúmeras as ferramentas para registrar imagens e lugares, produzir vídeos e publicá-los na internet, passatempo hoje de milhões de usuários das redes sociais. O Brasil se destaca nessa área. Uma pesquisa realizada pela Nielsen detectou que os brasileiros são os que mais usam mídias sociais no mundo, superando países mais populosos como Estados Unidos, Índia e China. O levantamento mostra que 75% da população nacional acredita que a principal função do smartphone é acessa-las.
“As pessoas gostam de se relacionar e de contar aspectos de sua vida particular às outras e a web potencializou esse comportamento”, afirma Fernanda Pascale Leonardi, especialista em direito digital. “Os brasileiros têm o hábito de se expor, de dizer que vão viajar, de contar o que compraram, mas é preciso entender que na internet há um nível insuficiente de privacidade.” A bacharel em direito Gabriela Fonseca, 25 anos, é adepta das redes sociais desde os tempos do Orkut. Por meio dele, por exemplo, conheceu o marido, Bruno Barioni. E pelas novas plataformas descobriu um jeito inovador de organizar seu casamento. “Encontrei minha assessora por meio do Facebook e todos os fornecedores foram contratados pelo Instagram.” Um dia antes da cerimônia, Gabriela teve a ideia de pedir para seus convidados desbloquearem as redes sociais para que ela pudesse ter acesso às fotos do dia. Com isso, criou-se uma teia de amigos que compartilhavam informações sobre o evento. “Percebi que as pessoas começaram a usar mais as redes sociais durante as cerimônias”, diz. Temos, então, o que muitos críticos apontam como a sociedade do espetáculo, na qual comemorações particulares ganham ares de grandes acontecimentos públicos.
A publicitária Ângela de Carvalho Valadão, 23 anos, também sempre foi uma entusiasta das redes sociais e tinha necessidade de compartilhar detalhes de sua rotina. “Quando o Instagram surgiu, fiquei bem viciada, postava fotos de tudo o que eu fazia, do que comia ou comprava”, afirma. “Não conseguia ficar dois dias sem usar.” Ângela conta, no entanto, que no ano passado sentiu que era preciso se afastar do Facebook, após o término de um relacionamento. “Publicava letras de músicas e frases bem tristes, depois não gostava que as pessoas viessem me perguntar o que estava acontecendo”, conta. Ela percebeu que perdeu o controle da situação e deixava que qualquer um participasse de sua intimidade. “Ficava incomodada com uma coisa que eu mesma permitia que acontecesse”, conta. Hoje, Ângela encontrou uma nova forma de usar as redes sociais. A publicitária optou por compartilhar apenas momentos positivos. “As pessoas continuam comentando o que publico, mas agora estou certa de que são informações que realmente quero tornar públicas.” Com cerca de 900 fotos publicadas no Instagram e mais de 300 seguidores, Ângela costuma postar fotos de seus cachorros, momentos com amigos e de si mesma.
“O ser humano criou a necessidade de se expor em um grupo virtual. É possível criar fantasias nesse mundo e uma imagem daquilo que gostaríamos de ser”, diz Ana Luiza Mano, psicóloga do núcleo de pesquisa de psicologia em informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
A sociedade vive um momento de supervalorização do “eu”. “As pessoas constroem a personalidade de forma a ter mais visibilidade, é uma maneira de se transmitir para o mundo”, diz Rodrigo Nejm, diretor de prevenção da SaferNet Brasil. E isso ocorre de forma instantânea. Uma vez publicado, um post pode receber imediatamente curtidas ou comentários. A celeridade na reação dos amigos é um dos fatores que trazem bem-estar. Se o grupo se comportar com indiferença, o internauta tende a se sentir um fracassado. “Temos percebido uma ansiedade e um imediatismo muito grande”, diz a psicóloga Ana Luiza. “Motivadas pelas redes sociais, as pessoas desejam ter uma resposta muito rápida e quando isso não acontece acabam passando por um processo de frustração.”
Publicar fotos no Facebook se tornou um passatempo divertido para a administradora de empresas Renata Coelho Ricci, 36 anos. Para ela, as redes sociais ganharam outra dimensão desde que ficou grávida. “Estava de licença médica do trabalho e criei o hábito de publicar fotos da gravidez”, diz. Renata conta que o retorno é sempre imediato. “Amigos, família, pessoas distantes e gente que nem imaginamos curtem nossas fotos.” A administradora pretende continuar publicando as fotos do filho Miguel, hoje com dois anos, e, por enquanto, ainda não se preocupa com o que o ele possa pensar no futuro sobre essa exposição involuntária. “É uma maneira de deixar as pessoas admirá-lo.” O sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, da Universidade Federal do ABC, alerta: “A maioria das pessoas nem imagina o poder do compartilhamento de informações.”
Tudo o que é postado na rede deixa uma espécie de rastro virtual e pode colocar em risco a privacidade do usuário. “As redes sociais montam um banco de dados de tudo o que fazemos e as empresas vêm se aperfeiçoando nas tecnologias de monitoramento, por isso é fundamental pensar em formas de se proteger durante a navegação”, diz Silveira. Existem diversos riscos implícitos no simples ato de publicar uma informação pessoal na rede. Sem perceber, os usuários acabam divulgando detalhes importantes acerca de sua rotina. “Não é recomendável publicar que estamos saindo de férias, que a casa ou o apartamento ficará sem ninguém”, afirma a especialista na área digital Fernanda Leonardi. “Também não é aconselhável postar fotos com crianças com roupas de praia. As imagens podem ser facilmente usadas por sites de pornografia infantil.” Além disso, o retrato ou o comentário considerado engraçado hoje pode se tornar um problema amanhã. Várias empresas olham o conteúdo do que os aspirantes a um emprego colocam na internet e, dependendo do que está exposto, eles podem perder a vaga. Outro componente importante é o cyberbullying. “As pessoas que publicam fotos com frequência tornam a sua imagem pública e ficam vulneráveis”, alerta a psicóloga Ana Luiza. “Muitos usuários perdem o controle sobre a sua imagem e não estão preparados para administrar as consequências de uma agressão que pode vir de um anônimo ou não.”
Na contramão dos exibicionistas, um grupo de pessoas que parecem estar saturadas dos efeitos causados pelas redes sociais começa a ganhar força. Para Rodrigo Nejm, da SaferNet, aparecem os primeiros sinais de cansaço digital. Mais poderosa rede social do mundo, o Facebook, por exemplo, começou a registrar uma diminuição no número de usuários. “Algumas pessoas já estão migrando para redes sociais que tentam garantir um nível maior de privacidade”, afirma Nejm. Isso não significa que a era do “selfie” esteja com os dias contados. Ela é um caminho sem volta, dizem os especialistas. Mas, se o exibicionismo digital for feito com responsabilidade e segurança, já é um bom começo.
https://istoe.com.br/339503_A+ERA+DO+EXIBICIONISMO+DIGITAL/